Fernando Teles, presidente do banco BIC Angola e accionista da
instituição, que comprou o BPN através do BIC Portugal, afirma que vai
apresentar ao Governo uma proposta de aquisição do BPN Brasil.
A entrevista a Fernando Teles, 59 anos, accionista e presidente do BIC
Angola, decorreu já na sede do BPN. Na sala, o único traço dos novos
proprietários é a gravata do bancário que passou a banqueiro (é dono de
20%), com o símbolo da instituição que criou em Luanda, juntamente com
Isabel dos Santos, Américo Amorim e com vários quadros que foi buscar ao
Banco Fomento Angola, do qual era responsável desde a sua criação.
Descrevendo-se como "humilde, sem ser subserviente", diz que a
principal vantagem do BIC Portugal é dispor de liquidez para financiar
as empresas portuguesas, devido ao balanço do BIC Angola. Este, criado
em 2005, tornou-se um dos maiores bancos deste país. E confirma que no
contrato inicial, de 31 de Julho, negociado com o actual Governo, a
linha de liquidez a fornecer pela CGD no valor de 300 milhões de euros
tinha um spread de 0%.
Como correu a reunião de terça- -feira com os trabalhadores do BPN?
Muito bem. Estiveram mais de 200 pessoas e aproveitámos para apresentar
os quadros do BIC que vão chefiar algumas áreas. Expliquei o que é o
banco, quem são os accionistas, quem sou eu próprio, qual é o nosso
objectivo de crescimento no exterior, e em que mercados estamos. Depois
passei a palavra ao engenheiro Mira Amaral [presidente do BIC Portugal]
para falar sobre os seus objectivos e a sua equipa. E pedi aos quadros
para darem a sua opinião sobre a forma como devemos rapidamente tornar
este banco um banco credível e rentável.
Fez promessas aos trabalhadores do BPN?
Disse-lhes que o futuro está nas mãos deles. Se eu puder manter mais de
mil postos de trabalho no BPN [o mínimo exigido pelo Governo é de 750],
vou manter. Acredite que o farei. Tenho consciência de que o cenário na
Europa não será bom durante alguns anos, mas nós o que queremos é sair
do vermelho.
E em relação às 220 agências? Quantas pensam fechar?
Se puder ficar com todas as agências, também fico. Disse aos
trabalhadores do BPN: dou-vos 120 dias para cada um mostrar o que vale.
Se ao fim desses dias estivermos numa situação em que muitas agências
passaram de um situação negativa para positiva, essas com certeza que se
vão manter. E haverá casos em que aumentarão o movimento, mas não
chegam a estar positivas...
Qual o trunfo do BIC Portugal/ /BPN?
Somos um banco com 2,5 mil milhões de dólares de liquidez em Angola.
Temos 4,8 mil milhões de dólares em recursos, e temos utilizado, pelos
clientes, 2,8 mil milhões de dólares em crédito. Temos fundos próprios
de quase 700 milhões de dólares. Durante os primeiros quatro anos não
distribuímos resultados, e agora não distribuímos mais de 40%, pelo que a
situação é confortável. Tivemos a preocupação de recapitalizar o banco e
de lhe dar bons rácios de solvabilidade. O facto de termos liquidez vai
ser muito positivo para os gerentes do BIC Portugal, que ficam em boas
condições para negociar com os empresários portugueses que estão em
Angola. Podem dizer-lhes que o BIC é um banco que os pode apoiar em
Angola, contrariamente a outros bancos portugueses, que não têm
liquidez.
Tais como? O BFA, do BPI?
Não. O BPI tem liquidez. O que não tem é o Banco Espírito Santo Angola,
toda a gente sabe disso. Mas esse é um problema do Espírito Santo. Nós
podemos captar clientes em Portugal com o incentivo de que temos um
banco em Angola que lhes dá liquidez para investir. Nos últimos seis
meses, parte daquilo que são os apoios da Cosec a Angola para os
empresários portugueses, e como os bancos nacionais estavam com
dificuldades de liquidez, tem sido o BIC Portugal que está a fazer as
operações e a apoiar as grandes empresas portuguesas, como a Mota e a
Soares da Costa. Fazemos as operações com garantia do BIC Angola, porque
o BIC Portugal não tem balanço para fazer grandes operações.
Qual é o valor global?
O BIC Portugal tem cerca de 300 milhões de euros em crédito. Perante
uma empresa que tem dividendos para distribuir pelos sócios, mas que
precisa de autorização do banco central para fazer pagamentos ao
exterior, o que é que fazemos? Fazemos um adiantamento cá, para eles
irem fazendo pagamentos de tesouraria, e eles dão-nos a garantia lá, uma
vez que têm dinheiro para fazer pagamentos ao exterior mas não estão
autorizados. E fazemos essa triangulação, em termos de operações, o que
permite resolver os problemas das empresas em Portugal e conceder
crédito por parte do BIC Portugal.
Qual é o vosso objectivo de expansão para o exterior?
Já apresentámos um projecto para abrir uma sucursal na Namíbia e temos
um escritório na África do Sul. Estamos a estudar os mercados do
Congo-Brazzaville e da República Democrática do Congo, e os países
encostados a Angola, a Zâmbia e o Zimbabwe. Vamos estudar o Botsuana e,
eventualmente, Moçambique. Estivemos a semana passada no Brasil para
analisar a hipótese de nos candidatarmos à compra do BPN Brasil.
Admite então a compra do BPN Brasil.
Vamos fazer uma proposta na próxima [esta] semana. Vai tudo ficar
nervoso só de ouvir falar que queremos comprar o BPN Brasil. O Brasil
vai continuar a ser um grande país, é quase um continente. A verdade é
que achamos que é importante ter uma licença no Brasil. Disseram--nos
que o banco central não está a conceder novas licenças, mas tem lá 15 em
carteira, de bancos em dificuldade. E pode--se comprar um ou fazer uma
parceria. À semelhança do que o senhor Américo Amorim ou o senhor Ruas,
nossos accionistas, já fizeram, comprando o Banco Luso Brasileiro, com
duas ou três agências.
Vão ficar sócios do BAI [Banco Angolano de Investimentos]?
Não é drama nenhum, e que eu saiba o BAI não acompanhou os aumentos de
capital, porque não está interessado em manter-se lá. Ainda tem 5%, mas
acho que não vamos ser sócios porque ele quer sair.
Já falaram com a tutela?
Já houve contactos verbais. O que a tutela quer é alguém que faça
propostas. O Governo português meteu lá dinheiro em 2010, 2011 e 2012.
As autoridades brasileiras, como o banco tem prejuízo, exigem que o
Governo meta lá dinheiro para colocar os rácios normais. E eles têm de
vender ou liquidar. O banco está à venda há um ano, houve duas propostas
baixíssimas. Agora, o BIC diz que vai fazer propostas, e, assim, se
calhar as seguir aparecem outras. Mas não fico nervoso, pois há lá mais
15 à venda.
Quem compra é o BIC Angola ou o BIC Portugal?
A expansão passa pelo BIC Angola, pelos accionistas, pois a decisão da
Comissão Europeia impõe limitações às compras do BIC Portugal.
Já disse que interromperam as negociações com o Governo para comprar o
BPN e que estiveram a analisar outras hipóteses em Portugal. Um dos
bancos que estudaram foi o BPI?
O que eu disse aos trabalhadores foi isto: hoje, em bolsa, 20% do BPI
custa 120 milhões de euros. Nós, BIC, temos uma accionista que já tem
10%, se comprássemos mais 20%, ficávamos com 30% [a partir de 33% teriam
de lançar OPA], e éramos capazes de ter alguma influência no banco. Mas
eu não disse a ninguém se era o BPI ou o Banif. Se tivesse falhado o
BPN, e houve um momento em que houve recuo, pois quiseram impor--nos
algo totalmente diferente do aprovado em Junho, se calhar aí avançávamos
para alternativas. E foi o que dissemos ao Governo, pois havia
accionistas que estavam disponíveis para vender. E dos bancos o BPN era o
pior.
Afirmou que se a Comissão Europeia [CE] tivesse exigido mais cedo os remédios, o BIC não teria comprado o BPN...
Entretanto fomos conhecendo o banco por dentro, as pessoas... Este
negócio não foi pacífico a nível da assembleia geral do BIC, onde havia
accionistas que não concordaram com ele. São solidários com a decisão,
mas sabem que a situação do país e do BPN não é fácil. Não é fácil
rentabilizar um banco com esta situação e com mil trabalhadores e 220
balcões.
No contrato inicial, de 31 de Julho, negociado entre o BIC Portugal e o
actual Governo, em relação à linha de liquidez a fornecer pela CGD no
valor de 300 milhões de euros, estava ou não previsto um spread nulo?
[Na conferência de divulgação do acordo, a 1 de Abril, foi dito que
nunca tinha estado em causa um spread nulo.]
No acordo de 31 de Julho de 2011 não havia spread. No acordo- -quadro
assinado a 9 Dezembro de 2011, já havia um spread de 125 pontos-base,
porque já tínhamos, Governo e BIC, consciência de que a Comissão
Europeia não aceitava spread zero. Agora ele foi aumentado por imposição
da CE em 2,75%.
Qual foi a imposição de Bruxelas que mais lhe desagradou?
Havia várias exigências: o BIC Portugal não pode comprar mais nenhum
banco durante cinco anos. Há uma outra exigência...Quando dizem que
inviabilizamos o BPN Crédito e a leasing por irmos lá buscar crédito não
é verdade. As empresas não eram viáveis sem o BPN e teria de surgir um
banco qualquer que lhes comprava o crédito, fosse o BIC ou outro. O que
aconteceu é que o nosso modelo previa que nos entregassem 2,25 mil
milhões de euros de crédito e não havia esse crédito no BPN. Só chegámos
a 1,7 mil milhões ou 1,8 mil milhões de euros de crédito e depois
tivemos de ir aos veículos do grupo [como o BPN Crédito] que davam
crédito com financiamento do BPN para ir buscar o que faltava. Sem essa
solução não havia negócio.
Os créditos que ficaram nas mãos do Estado são todos maus?
Não são todos maus. Os créditos são bons ou maus se são recuperáveis ou não, dependendo da conjuntura.
Apresenta-se com uma imagem menos institucional e menos
conservadora do que é esperado num banqueiro. É um trunfo para dinamizar
o grupo nesta fase?
A proximidade é muito importante. Comecei a trabalhar aos 14 anos e já
passei por cinco bancos. E sempre fui uma pessoa aberta e não me dei mal
com isso. Fundei o banco que o BPI tem em Angola, fi-lo crescer e
quando saí já éramos líderes. Tenho a política da porta aberta, não só
para os clientes mas também para os trabalhadores. Mas tenho consciência
de que não vou resolver todos os problemas. Parecendo que não, se
tivermos uma palavra, o cliente sai do banco satisfeito, e volta sempre.
Se ele sair sem estar satisfeito, vai ponderar se tem alternativas e
não regressa.
Seja em que actividade for, para fazer negócio as pessoas têm de ser
simpáticas com quem nos dá o dinheiro a ganhar. E não me tenho dado mal
com isso. Os colegas do Banco Borges & Irmão (BBI), no qual estive
17 anos - e onde fui líder sindical, líder da comissão de trabalhadores,
membro do conselho geral -, as pessoas que estão hoje nos sindicatos
bancários, o Delmiro Carreira, o Paulo Alexandre, o João Carreira, todos
me conhecem.
Quando fui para Angola, há 20 anos, criar um banco do zero, fui o
mesmo. Tento ser humilde, sem ser subserviente, ter dignidade e tratar
todos com dignidade. Em Angola trato todos da mesma forma, e quem o faz
acaba por ter êxito. Se perguntar às pessoas em Angola, ou aos
empresários portugueses presentes no país, poucos dirão mal de mim. Os
concorrentes são mais capazes de dizer mal, e mesmo esses não têm razão
para o fazer. Eu sou um concorrente, mas se tiro um cliente é porque dou
melhores condições.
A sua vertente sindicalista ajudou-o a ter preocupações sociais, é isso?
E tenho. Fui presidente do grupo desportivo do BBI durante algum tempo.
Essa minha acção também me ajudou a não ter problemas com os
trabalhadores. Fui candidato à associação de alunos do ISCTE e fiz parte
da lista do António José Seguro, ele organizou a lista do dia e eu
organizei a lista da noite. Gosto de fazer coisas. O fazer coisas é
criar mais postos de trabalho. O que interessa é ser empreendedor.
Associei-me ao senhor Américo Amorim e à doutora Isabel dos Santos
porque são empreendedores natos. Estão sempre a ver que outros negócios
podem ajudar a fomentar.
fonte: radioculturaangolana.com